016 - Argeu

Papai, o Sô Zé Franco, respeitadíssimo Juiz de Paz de Coronel Fabriciano, MG. Dizia meu irmão padre, ser ele de sabedoria e de bom senso salomônicos. Bondade e simplicidade de um São Francisco de Assis. A calma personificada, vigoroso e firme nas decisões. Apesar de ter estudado apenas o primário, sábio e justo. 

 

Fabriciano, cidade pequena, começando a Acesita, e a Usiminas talvez em projeto, ou nem isso. 

O Juiz de Paz era autoridade e, não havendo ou ausente o delegado, o pessoal da delegacia, inclusive os soldados, submetiam-se a ele.

 

Naquela semana, o Argeu trabalhou como ajudante de pedreiro, em nossa casa. Eu, com sete ou oito anos, muito curioso, seguia os passos do pedreiro e do ajudante o dia inteiro.

 

 

Argeu, um homem de estatura avantajada, muito forte, espadaúdo, e quase preto - um Golias de cabelos bem curtos. A seu lado sentia-me um pirralho. Morava na barranca do Rio Piracicaba, num casebre de madeira. Atencioso para comigo, até mesmo educado, parecia-me pouco normal, calado demais, às vezes sorria e me dizia algo. Gostava e respeitava muito meu pai.

Contou-me que tomava remédio para "nemia", preparado pela mãe.

- E sua mãe faz remédio?

- Faz... com ferro veio.

- Com ferro velho?

A curiosidade de menino acirrou o falatório do calado Argeu:

- É... ela faz um melado e coloca ferro inferrujado pra frevê junto e adispois dá pra gente bebê todo dia... Caba com a nemia.

Fiquei encucado com o remédio da mãe do Argeu e com sua "nemia"- pensei que só o Sô Quinca da farmácia fazia remédio, como minha mãe me falou. Cheguei a relatar para ela e ela afirmou-me que era verdade e muito bom, e a até Vovó Olinda e Vovó Mariquinha também preparavam esse xarope.

Não gostava muito do Sô Quinca - dava injeção na gente - um farmacêutico prático - um médico de família.

 

Bateram à porta de casa. Atendi e chamei papai, pois um monte de soldados queria falar com ele.

Um dos soldados dirige-se a ele:

      - Sô Zé Franco, nóis fomo inté lá na Prainha, pruque o pessoá chamô a gente, dizendo que o Argeu tava furioso, querendo batê em todo mundo. Quando a gente chegô, ei infrentô nóis seis. Como é muito foite e bão de briga, a gente resolvemos avisá o Sinhô e pegá refoiço na Delegacia. Deixa a gente prendê ele à foiça, não importando as manera e as reação? Ei é todo doido!

Papai, como sempre, pensou, pensou... e depois de uma longa pausa, aponta com o indicador para um dos soldados:

- Você, vem cá.

O soldadinho aproximou-se e ele lhe ordenou:

- Vai lá e diga para o Argeu que eu mandei você levar ele para a Delegacia.

Assustado, e já sem cor, o soldadinho não acreditava no que via e ouvia - os colegas riam.

- Mais, Sô Zé Franco, vai me desculpá, nem nóis seis agüentamo pegá o Argeu e o Sinhô manda logo eu, o menó, o mais fraco e o mais perreado de todos, pra prendê ele?

         - É você mesmo. Vá lá e leve o Argeu para a delegacia.

         Com a confirmação, os colegas boquiabertos e imóveis. O soldadinho, ainda tremendo, saiu em direção à Prainha.

         - Faiz um favô - dirigindo-se a um vizinho, pois não queria nem chegar perto - avise o Argeu que o Sô Zé Franco pediu pra ele me acompanhá inté na Delegacia.

         O Argeu, recebendo o recado, chegou à porta, olhou e viu o soldadinho esperando-o.

         Indo a seu encontro, passou à frente do soldadinho, sem dizer uma só palavra - o soldadinho acompanhou-o até a Delegacia.

         O tamanho do soldado acalmou-o.

         O Argeu, cabisbaixo, entrou para o xadrez... onde um dia apareceu morto...

         Assim era o Sô Zé Franco, meu pai...

 

         Benedito Franco

 

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